terça-feira, 31 de março de 2015

A Galeria


O soalho range debaixo dos pés, como na casa da aldeia onde vivem os meus avós. O gato dormita enroscado num dos cadeirões, junto à salamandra. De vez em quando, alguém interrompe a conversa ou a leitura, que se fazem à meia luz, para atear as chamas com mais algumas peças de madeira. Do andar debaixo vem um cherinho delicioso a muffins, acabados de sair do forno. A chá. A chocolate quente. E a café.
Estamos na Galeria Santa Clara, mas senti-mo-nos em casa. E, podemos andar pela casa, como se fosse nossa. Percorrer as salas, todas elas diferentes, mas igualmente acolhedoras. Apreciar os quadros e as exposições. Envolver-nos em tertúlias ou conversas à volta do lume. Procurar um sofá, num canto mais privado, pegar num livro e viajar à roda do mundo ou trocar palavras mais íntimas, como é hábito entre os casais de namorados.
A simplicidade da porta da entrada não faz adivinhar a riqueza do conteúdo interior. Ir á Galeria é como que embarcar numa viagem no tempo, onde o antigo e moderno, a arte e as pessoas convivem harmoniosamente. O ambiente das salas, transporta-nos para os luxuosos salões onde o Eça reunia a alta sociedade lisboeta à volta do piano e das mesas de jogo.
Há piano. E música ao vivo. Há o mesmo conchego quente das tapeçarias e dos estofos. Do lume e do chá, servido em imaculadas chávenas de loiça. Há o romantismo das conversas à luz dos antiquíssimos candeeiros de cristal. Há livros. Pintura e escultura. Há arte e gente que gosta de arte. 



Sala Alma Azul

Hall de entrada
Sala Dourada

O conchego das salas contrasta com a frescura das esplanadas. Vestidas com cores vivas, nos meses quentes do ano. As videiras espreguiçam-se a seu belo prazer, sem se preocuparem com os bons modos. O Mateus vagueia, sorrateiramente, entre as pessoas à procura de uma lugar à sombra. 
No jardim há tendas improvisadas, com tecidos orientais. Almofadas espalhadas pelo chão e puf's, à moda, construídos sob paletes de madeiras. À noite, continuamos à meia luz. Há candeeiros coloridos, pendurados aqui e ali. Tochas e velinhas sob as mesas. Ao fundo, a cidade adormecida. E, lá no alto, a Cabra, imponente.

Jardim/ Esplanada 

Esplanada interior

Mateus







quarta-feira, 25 de março de 2015

Viagens # as melhores da minha vida #

As melhores viagens da minha vida as fiz, durante anos a fio, com o meu avô. 
À lareira, nos serões de Inverno. Duas cadeiras de madeira, velhas. Duas chávenas de chá. Os meus olhos pregados às lentes, amareladas, donde o olhar dele parecia ausente.
No tapete de Arraiolos, nas tardes quentes de Verão, embalada pela sinfonia. Interrompendo-o, vezes sem conta, à procura de mais uma resposta que sossegasse a minha, infinita, curiosidade.
Lembro-me de como me pegava, carinhosamente, pela mão, à entrada do vapor que nos havia de levar a conhecer esse Portugal, pequenino, dos anos 40 e 50 e a Europa do pós-guerra.
Demorámo-nos pela França, em reconstrução, dos anos 50, 60 e 70. Pelas catedrais parisienses. Era aqui que ele trabalhava. Era aqui que partilhávamos os saudosos queijos brie, o queijo com nozes, ou a tarte de queijo da avó, que nos chegava em épocas festivas. 
Ocasionalmente, íamos à Bélgica visitar os Garcia, casal português, amigo do meu avô. Éramos sempre bem recebidos. E a comida que a D. Albertina nos servia. Hummm, tipicamente portuguesa, para matar as saudades que moravam dentro do peito.
Foram tantas as viagens que fizemos juntos. Até ao dia em que o meu avô partiu numa viagem sem retorno. E, eu fiquei sem o meu companheiro de aventuras.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Viagens no tempo # memórias #


Na casa dos meus avós encontro a minha infância. O cheiro da sopa fervente ao lume. Dos sonhos de abóbora. Da broa quente, acabada de sair do forno a lenha. Dos folares da minha mãe, amassados à mão na gamela de madeira.
Na casa dos meus avós, ainda tenho a minha cadeirinha de madeira. A minha caneca de barro amarela. O meu canto à lareira. A casa de brincar. O banco de três pés do avô, que servia de mesa. Uma boneca, só com um olho, metida num berço cor-de-rosa. A única que restou. A mãe diz que eu tinha umas mãos destruidoras. E as panelas verdes, que vieram de Braga.
Na casa dos meus avós encontro cada coisa e cada pessoa no seu lugar, mesmo quando já não está. Na janela da sala piscam as luzinhas da árvore de Natal, que o avô foi cortar comigo ao pinhal. No armário da cozinha, a geleia de marmelo da avó e o pão de especiarias, francês.
Na casa dos meus avós, que agora é só da minha avó, nem o avô falta, ao ritual do chá, que ele tanto gosta de partilhar comigo, nas tardes frias de Inverno, à lareira.

Na casa dos meus avós estão guardados grandes tesouros. As memórias de uma menina feliz.

quarta-feira, 18 de março de 2015

O convite # viagens poéticas #


Não gosto de poesia. Nem de ler. Nem de escrever. Os últimos poemas que escrevi foram para o meu pai, na escola primária. E agora o que é que eu faço? --  pensei para comigo, quando recebi, em 2014, o convite da Chiado para contribuir com um poema para a Antologia de Poesia Contemporânea.
Vou recusar, foi o primeiro impulso. Não sei escrever em verso. A poesia é uma espécie de prosa cantada. As palavras têm que se conjugar harmoniosamente. A poesia conta estórias. Tem que haver um fio condutor. A rima, não é obrigatória, mas embeleza o texto. 
O tema. Oh meu Deus o tema -- " Entre o sonho e o sono". O que é que acontece entre o acto de dormir e o de sonhar? O que pode acontecer? Não faço ideia!
Estava perdida. O gato dormia aos meus pés, junto à lareira. As folhas brancas esquecidas sobre a mesa.  Deitei os olhos à poesia de Pessoa, da Florbela e da Sophia. Nada. Isto não me diz nada. Fecho o livro. Fixo a chama incandescente que ilumina a sala. Levo a chávena de chá aos lábios. Começo a rabiscar as folhas. Já não pertenço aqui, senão fisicamente.
Palavras sem nexo. Dicotomias. Versos soltos. As folhas começam a ganhar cor. Preciso de uma fonte de inspiração! O amor, porque não? 
Et voilá, surgiu o poema que me havia de levar ao palco do Casino Estoril. Este ano voltaram a convidar-me. Repetiu-se o dilema. Mas mais uma vez consegui construir um pequeno poema. Mais uma vez o amor serviu-me de inspiração. E mais uma vez lá estarei para uma tarde memorável de poesia.

Viagens no tempo # a minha infância #


 Meto, apressadamente, as botas pretas de cano alto nos pés. As pregas da saia encarnada baloiçam ao sabor do vento, enquanto desço a escada. A caneca de barro, amarela, onde o leite vai arrefecendo, e as torradas estão em cima da mesa de madeira, no andar de baixo. Não me vou sentar, é tarde. O avô já pegou na mochila e na lancheira de palha, que me trouxe da feira, no ano passado.
Vai levar-me à escola, como faz todos os dias. Aconchega-me nos braços, para me proteger do vento gélido, que teima em cortar-me as mãos, desprotegidas. As luvas ficaram em cima da lareira. Ao longe o relógio anuncia as 9 horas. O avô despede-se de mim, afagando-me o cabelo. Devolvo-lhe um sorriso.
A professora Salomé ainda não chegou. É o primeiro dia de aulas depois das férias do Natal. Estou curiosa. A professora disse que haveriam novidades no início do novo ano. A sala está gelada. Não há aquecimento. A chuva bate ruidosamente na vidraça. Sinto as pernas tremelicarem dentro dos collants azuis-escuros. Será frio? Ansiedade?
"Meninos teremos uma biblioteca itinerante, a partir da próxima quinta-feira, aqui na aldeia", anunciou a professora. Biblioteca itinerante? O que é isso? Pensei, expectante. Fosse o que fosse. Se era uma biblioteca haviam livros. Muitos livros. Ufa, estava cansada de ler sempre as mesmas estórias. 
No minúsculo armário que ocupava o fundo da sala de aulas só havia meia dúzia de livros perdidos no meio das canetas, dos lápis, dos blocos de folhas, do giz, dos legos e do dominó que por ali se amontoavam. 
A carrinha vermelha, com a inscrição "Biblioteca Itinerante Fundação Calouste Gulbenkian", estacionou no largo do café, por volta das 18 horas. O condutor, um senhor de meia idade, saltou da carrinha e fez deslizar a porta lateral, enquanto a sua acompanhante, a professora Matilde, cumprimentava as crianças.
Do seu interior dezenas de meninos de papel sorriam para mim. Sem perder tempo, aproximei-me da entrada. Queria muito saber o que têm para me contar. Onde vivem. Com quem. O que fazem.Tinha tantas perguntas para lhe fazer.
A professora Matilde explicou-me que só poderei levar três livros por semana, para casa. Ohhhh só três! Só me faltava esta! E agora quem é que levo comigo? A Anita? A fada Oriana?

A decisão não foi fácil. Mas sentia-me bem acompanhada nessa noite. Até perdi o sono. Os deveres, esqueci-me de fazer os deveres. Não interessa! Não posso abandonar a velha. Nem o moleiro. Nem o poeta. Nem o lenhador. O que seria deles sem mim?

segunda-feira, 16 de março de 2015

Domingo de manhã # caminhada #

Parque da cidade, Porto

O dia acordou cheio de sol. E, por incrível que pareça, não havia vento. Aproveitamos para ir até à Foz, tomar o pequeno-almoço no Edifício Transparente, e para passear no Parque da Cidade. É hábito comum entre os portuenses, ao fim-de-semana.
 Tão simples e tão perfeito!


Paredão, Foz do Douro

Praia do Homem do Leme

Parque da cidade, Porto



Parque da cidade, Porto

Parque da cidade, Porto

Parque da cidade Porto

Parque da cidade, Porto

Parque da cidade, Porto

sexta-feira, 13 de março de 2015

Galerias Lumiére



Ouvimos dizer que havia croissants. Doces e Salgados. Gelados. Crepes. Cupcakes. Livros. Flores. E muitas coisas giras. Fomos espreitar.
Que cheirinho delicioso a massa fresca. E a bolachinhas caseiras. Lembraram-me os ovos moles de  Aveiro. Há uns anos visitei uma fábrica artesanal, o cheiro era o mesmo.
O corredor é pequeno. A praça apareceu-nos diante dos olhos emoldurada por lojas que parecem casa de bonecas, saídas de um filme da Disney. Pequeninas. Coloridas. O mobiliário vintage, em tons suaves, confere-lhes um ar ainda mais teatral
 Os clientes são pouco. Aliás, nesta tarde de Inverno, resumem-se a um grupo de amigas, na praça da alimentação. Bebericam chá. Parece-me de frutos vermelhos, pela cor. A menina da Tête à Croissant serve-lhes croissants, acabadinhos de fazer. 
As Galerias Lumiére estavam esquecidas. Foram requalificadas e aos poucos vão ganhando novo ânimo. O espaço é acolhedor. Intimista. Tranquilo, bem diferente do bulício das grandes superfícies comerciais. Os sabores, mais requintados. Os produtos são confecionados e servidos com amor.
                        Ah! Quase que me esquecia! Também há engraxador.

Sou Sweet # gelataria #

Piquenique # cupcakes # brunch # cestas de piquenique #

Tête à croissant # croissants doces e salgados #
Galerias Lumiére: Rua José Falcão, nº 157, Porto

terça-feira, 3 de março de 2015

Azulejaria Portuguesa # Alto Douro #

São 24, os painéis de azulejos que revestem o limite inferior das paredes da estação ferroviária do Pinhão. Retratam o Alto Douro Vinhateiro. Actividades agrícolas e tradições.

Os painéis foram pintados por J. Oliveira a partir de registos fotográficos da região.








domingo, 1 de março de 2015

O meu Porto













Sou de Coimbra. Mas, rendi-me ao Porto, há 6 anos. Ao meu Porto, onde sou sempre bem recebida. No meu restaurante, nos Aliados. Na minha gelataria, a Sou Sweet. Ou em qualquer outro lugar, onde entre como desconhecida.
Gosto das avenidas largas. Cheias de luz. Da arquitectura moderna, de que é exemplo a casa da Música. Mas também das ruelas estreitas da Ribeira. Do casario. E do rio. 
Ah, o rio. O Douro. Corre tranquilamente ao encontro do mar. É comum o vagar que aos rabelos. Balouçam ao sabor da corrente junto às margens. Destituídos do seu papel principal, o transporte do vinho, resta-lhes subir e descer o rio carregados de turistas. E, carregados saem também os cruzeiros do Cais de Gaia em direção ao Alto Douro.
A ponte. Gosto da ponte. Da imponente D. Luís I. Há estórias de amor na ponte sabiam? São às centenas os cadeados. As chaves, guarda-as os rio. E, há também meninos. Os meninos do rio. É assim que lhes ouço chamar. A razão é simples. Trágica, por vezes. Os meninos atiraram-se à água a partir do tabuleiro inferior da ponte, para júbilo dos estrangeiros. 
Gosto da Baixa, considerada Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO, desde 1996. Do bulício de Santa Catarina. Nas lojas e à volta do Majestic. E da arquitectura da Avenida dos Aliados, a começar pelo belíssimo Palácio das Cardosas. Da imponência da Sé, donde o bairro, ao qual empresta o nome, se estende até à Ribeira. E da Torre dos Clérigos, obra de Nicolau Nasoni. E, ainda, das fachadas. Das varandas. E das flores que as enchem de cor, na Primavera.
E, por falar em flores, não me podem esquecer os jardins. Serralves, tranquilo. O Botânico, inspirador. Os Jardins do Palácio de Cristal, românticos. E o Parque da Cidade, perfeito para passeios pedestres. Passeios que podem muito bem terminar na Foz. No Edifício Transparente, mesmo em frente ao mar.
                       Ah, o Porto. O meu Porto é lindo de morrer.